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Um golpe no futebol europeu: quem ganha e quem perde com a Superliga dos clubes super-ricos

Proprietários e dirigentes de doze gigantes não querem dividir suas receitas com o restante do mercado. As ligas nacionais e a Uefa brigam pela sobrevivência de todos os outros clubes

Mandatários dos 12 clubes dissidentes da Superliga Europeia — Foto: Infografia ge

Notas de repúdio de quase todas as partes, ameaças de expulsão de clubes e jogadores de competições, uma gritaria na opinião pública. Todos contra a Superliga europeia. Não por acaso. Caso consigam seguir adiante, os doze clubes que estão por trás do projeto causarão um abalo em todo o futebol. E a razão é uma só: dinheiro.

Resumindo a história, proprietários e presidentes desses clubes pretendem fundar uma liga europeia e organizar uma nova competição. Por que disputar competições nacionais e brigar por uma vaga na Liga dos Campeões, se dá para formar um clubinho de super-ricos e jogar um campeonato com acesso garantido? Eis o raciocínio por trás do golpe.

Golpe, esta é a palavra, porque uma Superliga colocaria em sério risco toda a cadeia esportiva e financeira do futebol mundial. Pelo menos da maneira como a conhecemos há algumas décadas. Vamos por partes.

Por que criar uma Superliga?

Só para lembrar o básico sobre a estrutura financeira de um clube: o faturamento (na concepção europeia) se divide entre direitos de transmissão, patrocínios e matchday – dia do jogo, em tradução literal, uma combinação de bilheterias e demais receitas ligadas ao estádio.

É importante notar que esse dinheiro chega por vias diferentes. Em especial no que diz respeito à transmissão. O Real Madrid fica com uma parte do que a LaLiga arrecada com a venda de seus direitos. Também recebe uma parte do que a Uefa fatura na Liga dos Campeões.

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De quanto dinheiro estamos falando? Ainda tomando o Real como exemplo, o campeonato nacional responde por uns 150 milhões de euros. A competição europeia põe uns 80 milhões de euros no caixa.

Outros campeonatos são irrelevantes na atual conjuntura financeira. Considere ainda que essa grana é variável. Tratando-se do Real Madrid, que costuma avançar às últimas fases da Liga dos Campeões toda temporada, a receita é frequente. Nem tanto quando se trata de Manchester United, Arsenal e demais envolvidos no projeto.

A ideia é trocar esses 230 milhões de euros em receita com campeonatos nacional e europeu por uma outra, muito maior, obtida por meio de um supercampeonato continental. No qual não haveria, para quem fizer parte dele, a ameaça de um rebaixamento ou a necessidade de dividir o dinheiro com dezenas de outros clubes.

A Superliga proporcionaria uma receita muito maior? Provavelmente. Pois um pacote de partidas entre gigantes é mais fácil de comercializar para emissoras do que, no cenário atual, é a venda de um confronto entre Real Madrid e Alavés. Ou de um United contra Newcastle.

O sinal mais claro da confiança nesse aumento está em um nome que talvez tenha passado batido na sua leitura de notícias: JP Morgan. A instituição financeira, uma das maiores do mundo, confirmou que participa do papo sobre Superliga. E ela emprestaria 4 bilhões de euros.

Não há detalhes da operação. Mas ela não deve sair muito diferente do seguinte. O banco empresta esse dinheiro aos dissidentes – se forem só doze, daria 333 milhões de euros para cada, um financiamento providencial em tempos de crise econômica. E o JP Morgan recebe de volta, com juros, sobre o que a liga faturar ao longo do tempo.

Cuidado para não embolar as ideias. A receita que os clubes têm com os campeonatos é anual e definitiva. O dinheiro é deles. Esse financiamento acontece uma vez só e se trata de um empréstimo, ou seja, precisará ser devolvido. De todo modo, a grandeza dos valores ajuda a entender a ambição dos que estão na mesa. Dos que participam do clubinho.

E quem ficou de fora?

É aí que a história fica complicada. A partir do momento em que esses clubes largarem suas competições para jogar a Superliga, é provável que a estrutura do futebol desmorone como um castelinho de cartas.

A Premier League só tem o maior faturamento do mundo com direitos de transmissão porque, bem, participa dela o sexteto que hoje está disposto a abandoná-la. A LaLiga não tem nem metade da atratividade comercial se não fizerem parte dela Real Madrid e Barcelona.

Competições esvaziadas, direitos de transmissão desvalorizados, menos dinheiro para repartir com a turma. Dizer que a Superliga causaria a morte de clubes pequenos e médios nesses países talvez seja um exagero, mas não há dúvida sobre o apequenamento a que eles seriam submetidos. Financeiro, num primeiro momento, depois esportivo.

A destruição das competições nacionais (de maneira como as conhecemos) é a explicação para tantas notas de repúdio por parte das ligas. É lógico que todos os que não participam do clubinho de super-ricos reclamariam. Mas há um oponente além das ligas. Muito maior.

A ausência dos clubes mais populares do continente também prejudicaria os negócios da Uefa. A Liga dos Campeões ainda poderia ser disputada por Roma, Sevilla e Newcastle? Lógico. Aos olhos do público e principalmente do mercado, ela viraria uma Liga Europa. E a Liga Europa seria rebaixada a, sei lá, o status de um campeonato estadual.
Aleksander Ceferin, presidente da Uefa — Foto: Getty

É por isso que o presidente da Uefa, o advogado esloveno Aleksander Čeferin, precisa gritar contra a Superliga. Ameaças de exclusões dos dissidentes, proibição dos jogadores de seus clubes em seleções, essas são as armas para contra-atacar. Essa também é a razão para que a confederação anuncie mudanças na Liga dos Campeões tão rápido.

A Fifa tem tudo para ser o fator de desempate. Sabe-se que a federação internacional, além de estar acima da Uefa na hierarquia do futebol, também tem predileção por dinheiro. Seu primeiro posicionamento foi uma nota em que critica a Superliga, porém num tom ameno. Será essa a posição definitiva? Dependerá da sua participação na grana.

Só não perca de vista que, no futebol e na vida, às vezes revoluções são levadas adiante para que nada mude. Dificilmente haverá mundo com uma Superliga "clandestina" – no sentido de não ser reconhecida pela hierarquia federativa. Ameaças são feitas, negociações e reviravoltas ocorrem, interesses são acomodados. Não seria a primeira vez.

Por Rodrigo Capelo

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